
Zezé Motta como Dandara no filme “Quilombo”, de Carlos Diegues.
Os primeiros europeus a chegaram à Terra Brasil tentaram primeiramente domesticar e escravizar os indígenas (habitantes originais) para o trabalho forçado, porém, a maioria não produzia o suficiente e/ou morria logo após a perda da liberdade. Procurando uma força de trabalho mais “produtiva” e “rentável”, decidiram então sequestrar e escravizar negros africanos para as grandes fazendas de cana-de-açúcar, a principal fonte de riqueza da colônia.
A história como conhecemos geralmente mostra o negro como conformado com sua situação de escravizado no Brasil colonial, no entanto, a realidade era bem diferente. Muitas revoltas foram levantadas em nome da liberdade e muitos negros conseguiram fugir do cativeiro, refugiando-se no interior do país e formando comunidades livres, os quilombos.
O Quilombo dos Palmares foi fundado nas imediações da Serra da Barriga, em Alagoas, e em seu auge, chegou a contar com mais de vinte mil habitantes. Lá, os elementos da natureza e os indivíduos ainda comungavam com os ideais de amor à terra e liberdade, bem diferentes da devastação causada pela monocultura e da morte da autonomia individual em consequência da escravidão.

Negros dançando. Pintura de Zacharias Wagener.
Palmares era um reino multirracial onde homens e mulheres eram livres. Negros fugidos, brancos desajustados e índios vindos de todos os lados eram acolhidos pela comunidade. Um oásis em meio à intolerância religiosa, étnica e cultural do Brasil escravocrata. Um reino onde cantava-se, dançava-se e lutava-se pela vida. O som de mil tambores aquecia as noites do quilombo e seus filhos não fugiam à luta para defender sua liberdade.
Os livros de história não puderam deixar de falar em Zumbi e Ganga Zumba no capítulo sobre escravidão, quilombos e resistência negra no século XVII, por isso, grande parte das pessoas, mesmo sem saber muito sobre o assunto, sabe que um dia existiu o Quilombo dos Palmares e que Zumbi foi seu líder guerreiro. Na maior parte das vezes, a força feminina, tão importante e atuante naquela comunidade, dificilmente é mencionada. A face feminina de Palmares era forte, atuante e respeitada enquanto guardiã da sabedoria ancestral da terra.

Zezé Motta como Dandara.
Dandara, esposa de Zumbi, rainha, mãe e guerreira, foi uma mulher audaciosa, poderosa e leal. Não se sabe muito sobre sua descendência africana, o que sustenta a teoria de que teria nascido no Brasil e chegado ao Quilombo dos Palmares ainda menina. Na comunidade, plantava como todos e trabalhava na produção da farinha de mandioca. Sabia caçar, lutar capoeira, empunhar armas e quando adulta liderou as falanges femininas do exército de Palmares.
Representação do arquétipo psicológico de Iansã, possuía temperamento sensual e determinado. Muita de sua energia conquistadora foi dirigida para a criação de seus três filhos com Zumbi e, acima de tudo, para a manutenção de seu ideal de liberdade. Dandara respeitava sua ancestralidade comungando com os elementos da natureza e honrando seu papel de mãe, líder e mulher atuante na sociedade.
Companheiros no amor e na guerra, Dandara e Zumbi realizaram vários ataques a engenhos para libertar escravos e apoderar-se de suprimentos, armas e munição.

Dandara (Zezé Motta) e Zumbi (Antônio Pompeo) em cena de “Quilombo”.
Com a expulsão dos holandeses do Nordeste do Brasil, criou-se uma nova demanda por mais mão de obra escrava para trabalhar nos engenhos de açúcar. O cerco a Palmares foi fechando-se na medida em que o governo regente e os senhores de engenho visavam a recaptura dos escravos fugidos. Os palmarinos não se rendiam facilmente, conseguindo resistir aos ataques por cerca de 50 anos. Foram necessárias cerca de dezoito expedições – iniciadas ainda na época dos holandeses- até a tomada final de Palmares.
Em 06 de fevereiro de 1694, no último ataque ao Quilombo de Palmares, Dandara e vários outros quilombolas lançaram-se da pedreira mais alta para não submeterem-se à escravidão. Dandara viveu, lutou e morreu pelo direito de ser livre.
Mulheres guerreiras de ontem e de hoje, leoas indomáveis e incansáveis na luta pela liberdade. As batalhas são um pouco diferentes, mas a vontade de ser livre perdura. Belas e fortes leoas correndo livres… para o infinito…
Quer saber mais? Recomendo:
– “Quilombo” (1984), filme de Carlos Diegues.